24/04/2009

MORAL DA HISTÓRIA: NÃO HÁ MORAL

Nino Bellieny

OLHA-SE no espelho, o rosto devastado pelo tempo.São tantas rugas e rusgas com a vida que deveria ter mais estragos. Quando podia ter amado, odiou, quando tinha que ter sorrido, trancou-se como se assim mostrasse ao mundo ser um cara racional e sério. Conseguira o máximo de grana e ainda achava que não tinha tudo, faltava alguma coisa e convictamente tinha certeza que as terras, apartamentos, o gado ainda não seriam o suficiente. Por isso dera um jeito nas coisas. Lembrava-se das mulheres perdidas por serem encaradas como mercadorias, dos filhos que se afastaram, dos amigos sumidos, todos bem mais felizes do que ele e sua fortuna espalhada por todo o estado. Mas agora era tarde. Restava-lhe o cheiro de dinheiro. O ar que respirava era dinheiro. Só isso era importante. AGORA no hospital onde o corpo carcomido está depositado começa a perceber que todo o patrimônio acumulado em horas de trabalho e golpes bem dados só vai servir para arrastar alguns dias a mais de vida. Sabe claramente que, vivo, vale muito para aqueles que fazem de tudo para que ele não vá de uma vez para o inferno. Naquela suíte hospitalar de luxo e conforto, o corpo é uma usina de lucros. INFERNO foi palavra constante em sua criação. A madrasta portuguesa a pronunciava de forma gutural, soltando faíscas pelas ventas cabeludas, prometendo o castigo eterno para quem ousasse ficar mais um pouco na cama naquelas manhãs geladas de inverno. Levantar-se, ir para o curral, encher os latões, levar para o povoado, distribuir nas casas, receber os atrasados, devolver certinho para a megera, cuidar do velho cavalo, alimentar as criações, roçar o pasto, cuidar das canas e da horta, passar o dia inteiro sem direito a sequer uma soneca no paiol. O inferno chegava sorrateiro, via vara de marmelo, gurumbuba, cinteiro, tamanco português, o que estivesse à mão daquela velha de bigode. O PAI vivia nas estradas, mascate de primeira grandeza, quando voltava pra casa era só alegria dentro das malas cheias de novidades. Mas, aos dez anos, morre-lhe o ídolo num acidente de trem. Dois dias depois, partia para a capital com um tio, que o ensinou a arte de ganhar dinheiro de todas as formas. Cafetão, golpista, agiota, dono de casinhas para alugar,negociante de gado,automóveis, caminhões, cargas desviadas, placas adulteradas, notas fiscais ao gosto do freguês, contrabando e de repente, o homem mais rico da região, um dos mais poderosos do estado, merecedor de homenagens, nome de praça, sócio benemérito de todas as instituições, mantenedor do Lar Encantado das Meninas Desamparadas, onde sempre sobressaiam-se roliças princesinhas em flor. CHEIRAVA A DINHEIRO, e sabia, pois todos os que se aproximavam dele eram atraídos em função deste aroma que agora o deixava nauseado. Fizera tudo por dinheiro, amara a este deus como poucos saberiam amar. E agora, o que recebia em troca de anos e anos de devoção era a doença-sem–nome lhe corroendo as entranhas. E os urubus em revoada no quarto, sorridentes à espera de qualquer naco de carne em poder. De um lado, os que lhe mantinham a vida para terem o lucro e do outro, os sócios, filhos, mulheres, políticos, querendo a morte iminente e a divisão do butim.Todos teriam uma enorme surpresa, mesmo morto, ele riria por último. MESES antes, já percebendo as esporas do cavaleiro da morte em seu vazio, vendeu em segredo tudo o que podia vender, a um preço de babaca, moleza que assustou até aos compradores, conhecedores da antiga esperteza. De posse de toda a grana, milhões e milhões, queimo-as num dos fornos da olaria que um dia recebera em troca de uma chantagem bem feita. Enquanto a fumaça subia, sem que os empregado soubessem o porque de tantas malas sendo queimadas, ria de se mijar. NA CAMA do hospital, esta lembrança lhe dava conforto. Iria para o inferno, mas a grosso do dinheiro já tinha partido antes. Quem ficasse, que se queimasse por conta. E pode,finalmente, dormir o sono dos injustos.

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